10 dezembro 2007

Quem falar primeiro

A molecada de hoje não brinca mais dessas coisas. Mas quando eu era pequena a gente tinha umas brincadeiras meio bestas: ficar com o olho arregalado até ver quem piscava primeiro. Ficar em baixo d’água para disputar quem tinha mais fôlego. Conversar sem usar “porque” na frase (essa é difícil, acredite). Ou aquela famosa da “vaca amarela”, para ver quem conseguia ficar mais tempo sem falar absolutamente nada.
Minha mãe adorava este jogo. Durante as férias na fazenda, quando juntava aquele monte de criança em volta dela, rapidinho minha mãe gritava: “vaca amarela, pulou a janela, quem falar primeiro...”. O silêncio reinava por alguns minutos. E eu sempre perdia. Para mim, ficar em silêncio não era brincadeira, era castigo! Nem ligava de perder, eu queria era falar logo... =) Nem que fosse para brigar depois (sempre tinha alguém reclamando que eu tinha estragado a brincadeira). E depois que a brincadeira acabava Graziela, minha fiel “escudeira”, explicava com toda calma: “é só falar com o olho que você não perde”.
Eu vivo de “palavras”. Brinco as vezes que ganho a vida só “na conversa”. Mesmo depois de grande, continuo precisando falar, conversar, contar alguma coisa... E “não falar” para mim continua sendo castigo. A diferença é que agora, sei que posso dizer muito sem falar uma única palavra. Mesmo que as palavras façam toda a diferença, depois que a gente cresce percebe que na verdade, em alguns momentos as palavras só complicam as coisas. É por isso que ultimamente prefiro conversar “em silêncio”. Nelson Gonçalves foi quem melhor explicou isso:

Quem disser que os olhos não tem voz, quem disser que os olhos não falam, saia de perto de nós. Meus olhos falam sempre com os teus olhos, meus olhos tem sempre algo a dizer. Meus olhos dizem coisas aos teus olhos num idioma que só nós podemos entender...

E não é que a Grá estava certa? É só “falar com o olho que você não perde”... A gente cresceu. Mas o desafio continua o mesmo: descobrir quem é que vai falar primeiro. E aí ninguém fala porque adulto tem um medo de perder a brincadeira...

16 novembro 2007

Linha e agulha


Era uma vez, uma camisa que virou menina. Uma meia que virou cabelo, uma bermuda que virou sapato e no lugar do coração, um amontoado de retalhos e algodão. "Peraí que só falta mais dois pontinhos no dedão do pé", avisava minha mãe. E pronto! Foi assim que nasceu a Filó. A Filó topava todas: a gente ia para o córrego? Ela era a primeira a cair na água. Comer goiaba no pé? Vichi... Ela chegava lá em cima primeiro que todo mundo. Bolo de barro? Quanto maior, mais feliz ela ficava... E aí quando o dia acabava e começava a disputa pelo chuveiro, a Filó ficava lá no quarto quietinha, só esperando amanhecer de novo. De vez em quando ela dava um susto na molecada! Mas aí rapidinho a gente corria prá casa com ela no colo e minha mãe (que já deixava a linha e a agulha no jeito), fazia a Filó "sarar" rapidinho. Cinco minutos e ela estava novinha em folha para fazer qualquer coisa. Isso já faz muito tempo. E prá falar a verdade já fazia muito tempo que eu não lembrava da Filó... A gente perdeu contato, se afastou. Eu fico imaginando o que ela está fazendo hoje porque naquela época de pé de goiaba e bolo de barro, lembro que queríamos ser arqueólogas. Perdi a conta de quantos buracos fizemos no quintal da fazenda (sob os protestos da minha avó) procurando ossos de dinossauros e vestígios de alguma civilização perdida. Ta achando o que? Brincadeira de criança é coisa séria! Mas o que eu estava contando é que a Filó sumiu. Cresceu, tomou outros rumos. Bons tempos aqueles em que a gente remendava todos os problemas do mundo com linha e agulha...


"O tempo foi se passando e ela se desmanchando
E hoje quem olha pra ela não diz quem é..."

Boneca de Pano, Assis Valente

07 novembro 2007

Palmas


Sábado, sete e meia da manhã. Isso lá é hora de ligar para alguém? Acordei tropeçando no chinelo deixado ao lado da cama, tentando achar a porta e o telefone que tocava. "Alô?". "Flá? Escuta, o Paulinho batendo palma...". Foi assim, com as palmas do Paulinho, que meu dia começou.

Conheci o Paulinho há poucos meses. Dois ou três no máximo. A gente se deu bem logo de cara: gostamos de música, de chocolate e de desenhar. E passamos horas assim em silêncio, levados pela música e pelos traços coloridos que saem como mágica das pontas do lápis de cor. Temos quase a mesma idade - ele tem 27, eu 26. Mas vivemos em mundos completamente diferentes: eu vivo de correria, reclamando da falta de tempo, dos problemas que eu mesma crio, do que gostaria de ter feito, do que adoraria “não” ter feito... O Paulinho não reclama. E tem todo o tempo do mundo.

Cheguei a ler algumas coisas sobre autismo há algum tempo por curiosidade. Mas na prática (como tudo na vida), a teoria fica bem distante da realidade. Senti isso de perto quando conheci o Paulinho. Ele não chega a ser indiferente, mas não entende muito bem o que acontece a sua volta. Na maior parte do tempo se comporta como se as outras pessoas não existissem. Às vezes rejeita o contato físico e nos olha como se não estivéssemos ali. Não reage a alguém que fale com ele ou o chame pelo nome. E o mais difícil (talvez o mais doloroso para quem está o tempo todo com ele), é sua dificuldade em mostrar suas emoções - exceto se estiver muito bravo.

Uma vez por semana eu paro tudo para desenhar com o Paulinho. Descobri que ele gosta de Renato Teixeira (como eu disse, a gente se parece...) e por duas vezes, enquanto escutávamos música e desenhávamos, tenho certeza – ele sorriu para mim. Foram dois momentos únicos. Porque ali, no mundo do Paulinho, nossas vitórias são outras. Um sorriso é suficiente para ganhar o dia, a semana, o mês inteirinho. São frações de segundo que me garantem: ele sabe que estou ali.

Há alguns dias assisti ao filme do argentino radicado no Brasil, Hector Babenco: O Passado. Um dos personagens da história (que também não sabe lidar lá muito bem com seus sentimentos) dispara ao longo do filme: “fala agora, antes que seja tarde”. O Paulinho vai embora para outra cidade nos próximos dias. No último sábado, enquanto a mãe dele organizava algumas coisas para a mudança ele encontrou no meio da bagunça um álbum de fotos. Quando viu uma foto nossa juntos, começou a bater palmas. Poderiam ser só palmas. Para mim? Foi uma declaração de amor de um amigo que soube como poucos mostrar todo o seu carinho...

Vai saber quanta gente está esperando você “bater palmas”.
Ou só falar. Falar agora, antes que seja tarde...


“Os verdadeiros amigos do peito, de fé, os melhores amigos (...)
Sabem entender o silêncio e manter a presença mesmo quando ausentes
Por isso mesmo apesar de tão raros, não há nada melhor do que um grande amigo”

Renato Teixeira

22 outubro 2007

A última estrela


Eu faço um pedido a última estrela, antes de tudo se apagar...
Meu corpo não está imune a tanta dor e pede pra eu ficar longe disso
Eu fico não, eu fico... Por que que você é tão difícil?
Eu fico inquieto olhando você e nem por isso eu me apago
Meu corpo não quer mais saber de dor... Você não me vê e eu nao desisto!
Resisto, insisto... Por que que você é tão difícil?
Ah, eu vejo você bailando sozinha distante de tudo, solitária rainha num canto do mundo
Me responda do fundo, última estrela: por que que você é tão difícil?

10 outubro 2007

A verdadeira arte de viajar



A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa,
Como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo.
Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam ali...
Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração cantando!

Mario Quintana (A verdadeira cor do invisível)

29 setembro 2007

Cante lá que eu canto cá

"Fala direito menina: pa-ta-tiva".
"Pata o que?"

Não saía... Eu tentava, mas não saía. Mas também... Prá que um passarinho tão bonitinho (e tão pequeno) com um nome tão complicado? Eu não entendia. Mas tentava! “Pa-ta-ti-va”... Até que saiu! E quando eu aprendi o tal nome da patativa ficou até mais gostoso escutar ela cantando lá longe, triste, melosa, quando o sol começava a se esconder no final do dia...
Aí, depois de grande, outra “patativa” apareceu na minha vida: Patativa do Assaré. Assim como a "minha patativa", esse poeta matuto era simples e tinha um canto único, só seu. O artista do sertão tem um ritmo e uma cadência diferentes. Para ouvidos desavisados, a melodia pode ser um pouco sem graça e a linguagem sem as habilidades da semântica e da gramática. Nem sempre os poetas sertanejos falam de paixões avassaladoras ou amores perdidos. Mas contam (e cantam) a vida de um jeito tão singular que parece poesia brotando do chão. É como dizia Patativa:

“Na minha pobre linguage, a minha lira servage, canto que a minha arma sente. E o meu coração incerra, as coisa de minha terra e a vida da minha gente”
(Aos poetas clássicos)

Cearense e fã de Castro Alves, Patativa (que nasceu Antônio Gonçalves da Silva), dizia que para ser poeta não era preciso ser professor. "Basta, no mês de maio recolher um poema em cada flor brotada nas árvores do seu sertão". Quando a memória começou a faltar, o poeta resolveu não escrever mais e declarou: "ao longo da vida já disse tudo que tinha de dizer". Morreu em 8 de julho de 2002 na cidade que lhe emprestava o nome. Pouco antes de ir embora escreveu: “Quando chegar o meu fim, sei que a terra me come. Mas fica vivo o meu nome, para os que gostam de mim”.
Não sei se existem patativas na cidade. Nunca ouvi nenhuma. Mas a lembrança do canto daquele passarinho de nome engraçado alegrou meu dia hoje (que precisava mesmo de um fim de tarde com uma patativa lá longe cantando chorosa). Na falta dela, apelei para a sabedoria de Patativa do Assaré:

“Aqui findo esta verdade, toda cheia de razão: fique na sua cidade, que eu fico no meu sertão. Já lhe mostrei um ispeio, já lhe dei grande conseio que você deve tomá: por favô, não mexa aqui, que eu também não mêxo aí! Cante lá que eu canto cá!”

14 setembro 2007

E se a manhã voltar?

Que hei de fazer se de repente a manhã voltar?
Que hei de fazer?
- Dormir, talvez chorar"

Manoel de Barros

Quem é que nunca pensou nisso? E "se de repente a manhã voltar?". Dia desses Lya Luft escreveu que a vida deveria nos oferecer um lugarzinho no rodapé da nossa história pessoal para eventuais erratas - como aquelas em tese de doutorado. Uma errata por todas as vezes em que a gente foi bobo, foi ingênuo, foi indesculpavelmente romântico, cego e teimoso... devia haver uma errata possível. Na hora gostei da idéia mas depois... Não sei se mudaria as coisas se "a manhã voltasse".

Lembrei desse poema do Manoel de Barros hoje depois de saber notícias de uma amiga muito querida. Estamos longe uma da outra há muito tempo e mesmo assim, meses e meses sem nos falarmos, me conforta a certeza de que se nos encontrarmos amanhã, toda essa distância vai parecer "nada". Vai ser como há 10 anos (não acredito que já faz tudo isso...), quando acreditávamos que estaríamos perto uma da outra pelo resto da vida.

É engraçado... A gente sabe que a vida pode mudar em um instante. “Racionalmente” sabemos disso, mas "acreditar" mesmo que as coisas vão mudar, que muita gente vai entrar e sair da sua vida, que as coisas vão simplesmente mudar de uma hora para outra... Acreditar ninguém acredita. Ninguém está preparado prá isso. E aí a gente vai fazendo planos, vai imaginando o futuro como algo real, como se não houvesse espaços para outras ocorrências. Mas uma coisa é fato: as vezes, é necessário viver algo inesperado para recolocar as coisas em perspectiva. Por isso concordo com o poeta: "dormir, talvez chorar". Não queria mudar nem um tiquinho da história...


Para aqueles que fizeram essa história ser tão boa de ser lembrada, um poquinho de João Pacífico, meu querido...

"Quis fazer um tema novo e pensei bastante antes de escrever
Eu não quis falar de amor, nem saudade, dor... e nada de sofrer
Em lugar de nostalgia quis dar alegria ao meu coração
Comecei tudo sorrindo e que tema lindo para uma canção
Mas nesta segunda parte, talvez por pura emoção
Fiz um acorde muito trist sem querer no violão
Transformou todo o meu tema, acabei magoando meu coração..."

04 setembro 2007

Você já teve bicho de pé?

Eu já. E nem sei quantos porque da época em que era criança, só lembro dos meus pés calçados na escola e na igreja aos domingos. Até nas festa de família, assim que dava uma brechinha... pronto! Rapidinho a gente tirava aquela coisa apertada e deixava o pé respirar. Ficávamos descalços o dia inteiro e não me lembro (com exceção do danado do bicho de pé) de nada mais incomodando meus pés.

A gente conhecia de cor cada pedacinho do quintal, dos trieiros no meio do mato, os buracos de tatu no pasto. As vezes topava o dedão num canto, enfiava o pé num espinho, um estrepe na sola do calcanhar. Se doía? Claro que doía! Aí a gente sentava no chão, tirava o bendito sem cerimônia e continuava a caminhada. O dia terminava logo e meu Deus... a gente tinha muita coisa prá fazer, não podia ficar perdendo tempo com um machucadinho no pé não moço! É verdade que dava um trabalho danado na hora do banho. Mas valia a pena. Ô se valia...

Então tá, isso faz o que... 15, 20 anos? Não é tanto tempo assim vai? Mas olha como a gente "desaprende" as coisas fácil, fácil: outro dia fui matar a saudade do mato. Tratei logo de tirar o sapato prá sentir a terra passando no meio dos dedos, a grama escorregando na sola do pé, aquela sensação boa... Veja só isso: não é que logo de cara pisei num estrepe? E nem era grande não, uma coisinha de nada... Mas aquela coisa pequena doeu tanto que me fez andar de chinelo o resto do final de semana. E meu pé coitado, que agora fica fechado num sapato o dia inteiro, nem pode curtir direito...
Toda hora eu escuto alguém dizendo que o dia está cada vez mais curto, que a gente não tem tempo prá nada e que quando olha no relógio, já acabou o dia. O dia continua do mesmo tamanho meu povo! A gente é que fica parando no meio do caminho para cuidar de uns "espinhos" que nem são tão grandes assim. A parte boa mesmo que é "andar descalço", a gente nem aproveita. Também, fica dando atenção para o espinho... Vou te contar uma coisa: tem espinho no caminho inteirinho. E aí eu pergunto: você vai mesmo perder tempo com "mais um espinho" que apareceu? Claro, vai doer na hora. Mas, como dizia minha mãe, "antes de casar sara"...

Eu tô tentando aprender a andar descalço de novo. Depois que "desaprende" dá um trabalho aprender de novo... De vez em quando eu sinto uma espetada mas nem ligo, vou embora! Até que que já, já, nem sinto nada. E se você é daqueles que não anda descalço e nunca teve bicho de pé, meu amigo... não sabe o que tá perdendo!


Bicho de pé lembra infância. Então hoje vou aproveirar prá falar da dupla
Palavra Cantada: Sandra Peres e Paulo Tatit. Esses dois entedem de música, de Brasil e de criança - tudo coisa que eu gosto. Fazem música infantil mas, no final das contas, misturando poesia e brincadeira, acabaram agradando não só as crianças, mas também gente grande como eu!

Pé com Pé
Acordei com o pé esquerdo, calcei meu pé de pato
Chutei o pé da cama, botei o pé na estrada
Dei um pé de vento, caiu um pé d'água
Enfiei o pé na lama, perdi o pé de apoio
Agarrei num pé de planta, despenquei com pé descalço
Tomei pé da situação, tava tudo em pé de guerra
Pé com pé, pé com pé, pé contra pé
Não me leve ao pé da letra
Essa história não tem pé... nem cabeça. Vou dar no pé!

02 setembro 2007


“Saudade... palavra linda que todos querem falar
Prá gente sentir saudade, saudade tem que deixar
Saudade nesse meu peito chegou a criar raiz
Saudade de longe vem, é saudade de alguém que já me fez feliz”


A saudade continua, Tião Carreiro e Zé Matão

26 agosto 2007

Caminhos me levem...

"...caminhos me levem aonde quizerem e se meus pés disserem que sim (...)


24 agosto 2007

Se não, não aprende

Eu amo milho verde: milho cozido com manteiga e sal, pamonha, cural, cuscuz, polenta... Quando éramos crianças e percebíamos lá em baixo, perto do curral, a plantação de milho verdinha ("embonecando") já sabíamos: era sinal que logo, logo ia ter mutirão para pamonha!
O serviço começava cedo e nós, mesmo pequenos, éramos peças fundamentais na "linha de produção": descascar e tirar o cabelo do milho. Era uma festa! Que só acabava quando aquele monte de milho já descascado ia para as mãos das mães, tias, avós e comadres que ralavam espiga por espiga até tirar aquele caldo amarelinho que mais tarde, já grosso e adoçado, seria a sobremesa de muitos dias.

O dia era longo. Enquanto ralavam o milho (e as pontas dos dedos...), muita conversa, cantoria e risadas tomavam conta do terreiro. A gente espiava tudo de longe, só esperando. De vez em quando um dos moleques passava ali por perto, aproveitava alguns sabugos para improvisar um brinquedo e conferia se ainda faltava muito para o milho virar doce.

No cardápio do almoço, claro, frango ao molho com milho verde feito na panela de ferro. Quem é da cidade e nunca comeu um franguinho feito na panela de ferro (ah sim, e no fogão a lenha!), não tem idéia como isso é bom! Tão bom quanto o cural que era servido como sobremesa: em pedaço ou molinho para comer com colher e canela... Meu Deus, não sei como a gente não ficava "amarelo" com tanto milho!

Mas a parte que eu mais gostava era quando, já com quase tudo pronto, minha avó explicava com toda a "ciência" de quem entende do assunto, como fazer aquela trouxinha que recebe o creme que depois de cozido, vai virar a tão esperada pamonha. Ela fazia aquilo com tanta facilidade! E eu tentava... Vichi! Como tentava. Mas mesmo com todo capricho, quando colocava o creme, sempre escapava um pouquinho aqui ou ali... E aí quando eu já estava desistindo e deixando a palha do lado, escutava a bronca carinhosa da Dona Maria: "Faz de novo! Se não, não aprende!". E aí, quando finalmente eu conseguia, ela fazia questão de cozinhar "minha pamonha" - que eu não perdia de vista nem um minuto! Só para depois comer (como dizia minha avó), com "gosto"...


Há dias que dá vontade de jogar tudo para cima e colocar a "palha" de lado. Quem é que nunca teve vontade de desistir? Aí hoje a tarde, quando fui desembrulhar a pamonha doce que comprei do seu Cecílio, lembrei da simplicidade e sabedoria da minha avó: "Faz de novo! Se não, não aprende!". Já pensou se eu desisto no meio do caminho e perco aquela delícia de pamonha? Hoje, já crescida, mesmo nos piores dias, fico ali insistindo com a "palha", até as mais complicadas. Porque no final, nossa... que gosto que dá!


Quebra de Milho
Renato Teixeira
Composição: Tom Andrade e Manuelito


Mês de agosto é tempo de queimada
Vou lá prá roça preparar o aceiro
(...)

Passou setembro, outubro já chegou
Já vejo o milho brotando no chão
Tapando a terra feito manto verde
Prá esperança do meu coração

(...)
Quando é chegado o tempo da colheita
Quebra de milho, grande mutirão
A vida veste sua roupa nova
Prá ir no baile lá no casarão...

29 julho 2007

Óleo sobre tela de Welington Almeida Pinto

A SAUDADE É UMA ESTRADA LONGA...

A saudade é uma estrada longa
Que começa e não tem mais fim
Suas léguas dão volta ao mundo
Mas nao voltam por onde vim

A saudade é um estrada longa
Que começa e não tem mais fim
Cada dia tem mais distâncias
Afastando você de mim

Tantas foram as vezes que nos enganamos
Outras vezes nos desencontramos
Sem nem perceber
Mesmo sem razão eu quero lhe dizer
Sem intenção
Ver tudo se perder
Dói tanto, tanto

A saudade é uma estrada longa
Nem é boa, nem é ruim
Vou seguindo sempre adiante
Nunca volto, eu sou mesmo assim

A saudade é uma estrada longa
Que hoje passa dentro de mim
Me armei só de esperanças
Mas usei balas de festim

Mesmo longe, hoje o dia foi seu. Falamos tanto sobre o tempo nos últimos dias. E hoje, um dia de mais saudade do que qualquer outro, me lembrei de Mário Quintana: "Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo...". Parabéns para você meu querido...

23 junho 2007

Dona felicidade

Sua avó conhece. Sua mãe também. Sua vizinha, sua tia e você, com toda certeza, já ouviu falar do Baú da Felicidade. Como o próprio nome sugere, o Baú do Silvio Santos promete trazer felicidade para todos aqueles que estejam dispostos a pagar um pouquinho todo mês...

Não gosto de escrever sobre felicidade, tristeza, paixão... Aliás, não tenho muita paciência para ler coisas assim. Então se você quiser pular para o texto seguinte ou esperar pela próxima coluna tudo bem, vou entender.
Li hoje um artigo de um amigo muito querido. O título: “felicidade”. Só, mais nada. Em uma página ele fala sobre a felicidade – ou a falta dela. Como está com o “coração partido e como a felicidade é efêmera. Passei algum tempo pensando no texto. E aí resolvi escrever porque mesmo tendo tanto em comum e gostarmos de longas discussões, não conseguiria explicar meu conceito de felicidade para ele apenas falando. Aliás, “falar” sempre foi um problema para mim, escrever sempre foi mais fácil. Acho difícil explicar num artigo curto o que é ser feliz, mas vamos lá...

Fisiologicamente felicidade é a sensação causada ou espontânea. É um momento pelo qual passamos todos dos dias procurando repetir e mantê-lo o maior tempo possível presente. Li em uma entrevista que para um economista americano, felicidade é ganhar 20.000 dólares por ano, nem mais nem menos. Para os monges budistas, felicidade é a busca do desapego. Livros de auto-ajuda definem felicidade como “estar bem consigo mesmo”, “fazer o que se gosta” ou “ter coragem de sonhar alto”.
Segundo o artigo do meu amigo "felicidade é apenas um sentimento efêmero". Discorde se quiser, mas ser feliz para mim é achar a distância certa entre o que se tem e o que se quer ter. Demoramos muito para achar essa distância. Muita gente passa a vida inteira procurando. Muita gente morre sem encontrar. E aí quando acreditamos ter encontrado a tal “dona felicidade” pronto – não é preciso fazer mais nada...

Essa história de que tudo é possível desde que você “deseje de todo o coração” é pura balela (sim, eu também assistia à Xuxa quando era criança). Todos nós temos limitações e devemos sonhar de acordo com elas. Não me entenda mal. Acho que devemos (aliás, acho fundamental!) sonhar muito. Mas não dá para sonhar sem os pés no chão.
Por isso acredito que a felicidade é um processo. Não dá para ser feliz e pronto. Da mesma forma que não dá para ser infeliz para o resto da vida só porque as coisas não saíram exatamente como o esperado, conforme sonhamos.

Sabe o que é o mais legal disso tudo? Sempre dá para mudar o curso, mudar o caminho, começar de novo. E em cada recomeço desse dá para ser feliz demais – muito mais do que antes até! Mas para isso, assim como no Baú da Felicidade do Silvio, é preciso estar disposto a pagar um pouquinho pela “dona felicidade”. Ela não vem de graça meu amigo. Mas o preço que pagamos por ela vale a pena.
E como vale...


É para você meu amigo querido que dedico uma das músicas que mais gosto: Dona Felicidade (sem trocadilhos!). Olha como é simples: “se eu merecer, feliz vou ser pra eternidade”... Beijo para você!

21 junho 2007

Na toada da viola

A viola pode ser tocada em diferentes afinações e ritmos. Os mais conhecidos não o Cururu, ritmo básico da viola e bastante usado na música caipira. O Cateretê, que faz aquele rasqueado bonito. E a Toada, um dos ritmos mais bonitos da viola. Segundo o dicionário “toada” é o ato ou efeito de toar. “Toar” por sua vez é o mesmo que emitir som, fazer estrondo.

Temos verdadeiros clássicos tocados neste ritmo: Chico Mineiro, Cabocla Tereza, Pingo d’Água. Todas toadas tristes, cantadas e tocadas com uma dor que não se explica muito bem. Mas que se sente, se entende em cada nota da toada...

Quem não se lembra dos versos de Tristeza do Jeca: “Nesta viola, eu canto e gemo de verdade. Cada toada representa uma saudade”.

Nos últimos dias tenho pensando nas toadas da minha vida. Agora entendo Angelino de Oliveira: “cada toada representa uma saudade”. Sinto apenas não saber tocar nenhum instrumento em dias assim. Seria uma forma de colocar para fora tudo o que está preso aqui dentro e vai fazendo o dia perder a graça, a vida virar uma toada triste...

E aí para ajudar a saudade chega assim: mansa, circulando pelos cômodos, passeando nas varandas da alma... E se aloja no peito, muitas vezes sem pressa de ir embora. Fazendo mesmo uma toada danada dentro desse coração que já não agüenta mais tanto barulho...

16 fevereiro 2007

Minha Viola


Eu tenho uma viola, que canta assim

Minha dor ela consola

Quando eu saí do meu sertão

Não tinha nada de meu

A não ser esta viola

Que foi meu pai quem me deu

E pelo mundo eu vou andando

Subo monte, desço serra

Minha viola vou tocando relembrando a minha terra

E quando a tarde vai morrendo vou pegando minha viola

Se estou triste e sofrendo ela é quem me consola

Cada nota é um gemido

Cada gemido é uma saudade

De saudade estou perdido viola, nessa eterna "solidade"

E nesse sertão dos meus amores quando me ponho a tocar

Emudecem seus cantores para nos ouvir cantar

Canta a minha alegria canta para eu não chorar

Entrarei no céu contigo quando minha hora chegar


Composição de Raul Varella Seixas, pai do “maluco beleza” Raul Seixas que gravou a canção no disco "Abre-te Sésamo" em 1980 pela CBS Discos

15 fevereiro 2007

Amarrei o tempo no poste

Tirei férias do mundo. Enquanto todo mundo corria para o litoral, lá estava eu, na pista contrária, trânsito tranqüilo, indo para – segundo alguns amigos – o meio do mato. Prá mim? O paraíso.

Desliguei o celular, esqueci que existia computador, internet, televisão... “Amarrei o tempo no poste”. Deixei meu pé respirar no chão de terra batida e voltei. Agora sim, com bateria completa para enfrentar o armário abarrotado de confusão que a gente deixa prá resolver só mesmo quando começa o tal ano novo.

Esse ano vai sobrar menos tempo para escrever – sempre sobra pouco tempo para o que a gente gosta de fazer – mas vou me esforçar. Mas hoje ainda não vou escrever, vou pegar emprestado:

“Amarro o tempo no poste para ele parar. Boto a manhã de pernas abertas para o sol. Me horizonto para os pássaros. Uma ave me sonha. O dia amanheceu aberto em mim.”

Manoel de Barros é que estava certo... Esse ano “amanheceu aberto”. É melhor começar logo, antes que eu tenha que “amarrar o tempo no poste”...

02 janeiro 2007

(...)
O sol vermelho se esquenta e aparece
O vergel todo agradece
Pelos ninhos que abrigou
Botões de ouro se desprendem dos seus galhos
São as gotas de orvalho
De uma noite que passou
(...)
Cheiro de relva
Trás do campo a brisa mansa
Que nos faz sentir criança
A embalar milhões de ninhos
A relva esconde as florzinhas orvalhadas
Quase sempre abandonadas
Nas encostas dos caminhos
A juriti madrugadeira da floresta
Com seu canto abre a festa
Revoando toda a selva
O rio manso caudaloso se agita
Parecendo achar bonita
A terra cheia de relva
Feliz 2007 (ainda que um pouco atrasada...) para todos!