25 maio 2011

Proseia que eu te escuto


A cozinha da casa dos meus pais sempre foi um lugar movimentado. O dia todo você encontra alguém ali tomando um café, colocando a conversa em dia, comendo um pedaço de bolo ou biscoito, levando bronca ou ouvindo um conselho.

Por isso não era difícil de vez em quando a gente pegar o rabicho de uma conversa, de uma piada ou de um causo qualquer. Foi assim que um dia ouvi meu pai afirmando para um peão: “não... falar não adianta! Tem é que chamar o sujeito prá prosa". Lembrei dessa história hoje porque passei boa parte do dia proseando. E meu pai estava certo – falar é diferente de prosear.

A Lya Luft diz que “a boa prosa tem em suas entrelinhas um vento de poesia”. Acho que é esse vento danado que faz as palavras saírem mais leves na hora da prosa, sem dar tempo prá gente ficar discutindo quem está certo ou errado. Proseando a gente escuta mais. E a prosa – que pode ser séria ou só um causo ligeiro – parece que clareia melhor as coisas.

Tem uma moda do Tião Carreiro e Pardinho que afirma: tem prosa que nem precisa de palavras...

"No meio da passarada 
por sinal os dois proseia"

Olha que lindo isso! Tem gente que fica tão aflita porque tem que conversar, que explicar, que entender, e justificar, e responder... Eu, se fosse você, arrumava um tempinho prá dois dedo de prosa, viu? Funciona que é uma beleza!

“...e me pergunto já em prosa: existe coisa mais gostosa?”
Fábio Alexandre Sexugi, poeta paranaense e, assim como eu, beberrão de café

24 maio 2011

Caramelo e chocolate


Quem tem criança em casa sabe que vez ou outra a gente precisa ter uma “moeda de troca”. Em casa, por exemplo, a moeda de troca era a balinha Toffee, que minha avó sempre tinha no armário. “Não comeu tudo? Fez birra prá tomar banho? Subiu na caixa d’água escondido?” Sempre existia um motivo para negociar a tal bala Toffee! =)

Mas o que matava mesmo era escolher o sabor da bala... Eram sempre dois, na maioria das vezes, caramelo e chocolate. Eu amava a de chocolate! Mas sempre ficava na dúvida entre uma e outra porque se me arrependesse, teria que esperar até o dia seguinte para escolher outra vez.

Aí eu cresci. E ainda amo a bendita bala Toffee de chocolate. E até hoje sofro um bocadinho toda vez que eu tenho que escolher entre uma coisa e outra. Parece até que eu escuto minha vó dizendo: “escolhe só uma, as duas não pode”. Esse “não pode” é que mata...

Tem uma moda do Vieira e Vieirinha que eu ouvi ainda agorinha (opa... rimou!), que conta a história do patrão que oferece uma das três filhas para o caboclo casar. E o peão responde ligeiro:

"Eu ficava pensativo sem ter o que falá
Prá mim, ai... não tem escoia! Todas elas são iguá!" 

Olha prá isso... são nada! É só escolher uma e eu aposto que o peão ia ficar pensando se não tinha feito a escolha errada. Porque escolher entre um sabor e outro é um privilégio! O diabo é ter que renunciar um deles, entendeu? Depois de grande a gente já não tem mais tempo de esperar o dia seguinte para escolher de novo. E se você escolhe a bala Toffee errada?

Fiquei matutando sobre isso agora a noite enquanto voltava prá casa. Parei num boteco e enchi o bolso de bala – todas de chocolate! A bala grudou no dente, depois no céu da boca e eu tive que fazer um monte de caretas para arrancar um pedaço dela que ficou pregado lá no cantinho... Mas moço, eita bala gostosa!

Confesso que ainda dá um frio na barriga na hora de escolher o sabor da balinha. Mas depois de escolhido, se você souber curtir cada pedacinho da bala (até aqueles que dão trabalho e ficam grudados no dente!), nem vai lembrar que a dúvida existiu antes. No final das contas, minha avó é que tinha razão: “as duas, não pode”. Se não, que graça tem? =)

01 maio 2011

Piscada

Há certas coisas sobre as quais eu não gosto de falar. Nem ouvir. O problema é que ignorar não faz as coisas simplesmente deixarem de existir. E aí, semana passada, duas pessoas que eu amava muito viajaram fora do combinado e me deixaram mesmo – literalmente – sem palavras.

Eu escrevi alguns pares de linhas sobre isso. Mas decidi não ficar me alongando muito sobre o assunto porque o que conta mesmo é que os dois, cada um ao seu jeito, vão fazer tanta falta que não há o que escrever para explicar isso.

Só resolvi mesmo postar alguma coisa porque hoje, falando com uma antiga aluna, me lembrei de um texto do Monteiro Lobato. É um trecho do livro “Memórias de Emília” que (por incrível que pareça) eu li durante a faculdade e não enquanto acreditava que o Visconde de Sabugosa existia mesmo.  

“A vida, Senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem pára de piscar, chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme-e-acorda, dorme-e-acorda, até que dorme e não acorda mais. A vida das gentes neste mundo, senhor sabugo, é isso. Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia. Pisca e mama. Pisca e anda. Pisca e brinca. Pisca e estuda. Pisca e ama. Pisca e cria filhos. Pisca e geme os reumatismos. Por fim, pisca pela última vez e morre.”


Tem hora que fica custoso piscar. Mas a gente continua porque não tem outro jeito, tem? É verdade que tem semana que a piscada fica mais doída. Mas aí a gente pisca e dorme, pisca e acorda, pisca e ama, pisca e descobre que piscar é rápido demais prá perder tempo tentando entender a piscada...

Acho que é isso. Pisque daí se você concorda comigo!

"Vivo depois quando o agora chegouFechei os meus olhos e a vida piscou(Mutantes)